A Casa na Montanha

Na Casa Oxente, abrimos as portas não apenas para peças, mas para memórias. Nos encontros, saraus e conversas que promovemos, há sempre um momento em que o silêncio se faz para que as palavras possam assentar.

O texto abaixo foi lido na abertura do “Tira-gosto com Manuel Mendonça” e nasceu como uma tentativa íntima — e talvez inacabada — de responder duas perguntas simples e difíceis: Quem sou eu? O que é a Casa Oxente?

É um texto pessoal, atravessado por lembranças, perdas, reencontros e descobertas — como a própria história da Casa.

Publicá-lo aqui é prolongar esse gesto de partilha, para que ele chegue a quem não pôde estar presente e continue a ecoar entre os que constroem casas com afeto, escuta e memória.


A Casa na Montanha

Um dia, quando eu era criança, uma tia me convidou para um curso de pintura.

Eu tinha medo dela, mas aceitei — queria muito aprender a pintar.

Na minha cabeça, eu pintaria uma Casa Maravilhosa, no alto de uma montanha verde.

O céu seria azul, haveria um sol amarelo e um mar embaixo.

No primeiro dia, o professor disse:

– Hoje, você vai fazer quadradinhos de cor.

E assim foi. Quadrados no segundo dia. Quadrados no terceiro.

No quarto, eu não voltei.

Aquela casa começou a desaparecer. Ficou perdida. Esquecida.

Anos depois, me vi num quarto de empregada, no fundo de um apartamento em São Paulo.

Aquilo não era casa. Era dormitório. Relembrei meu projeto de infância, descrente de que aquela Casa poderia existir de verdade.

O tempo passou. Eu casei. Tivemos um cachorro, uma filha…

E eu sem perceber que estava construindo aquela casa.

A vida acontecia e eu não tinha nem tempo, nem interesse, em prestar atenção no que eu construía.

Em 2020, percebi que fazia meses que não falava com um amigo querido.

Tentei ligar, mandei mensagens. Nada.

Busquei no Google. O nome dele apareceu seguido de: “assassinado”.

Minha espinha gelou.

E a dor, o que fazer com ela?

Voltei para a arte. Para a fotografia.

E, um dia, fiz um autorretrato: eu caía na piscina com violência.

Era a imagem do meu amigo — ou de mim mesmo.

Eu poderia ter sido ele.

Mais um gay periférico a morrer.

Como tantos outros.

Mas no dia em que fiz a foto, eu achei a porta de uma casa.

Abri, e reencontrei o caminho de volta: eram muitas casas, as casas das minhas tias-avós.

Foram elas que me acolheram, que me protegeram.

Se não fosse pela arte, eu nunca teria voltado.

Então, quem sou eu?

O que é a Casa Oxente?

A Casa Oxente também é espaço de venda.

Mas não vendemos só arte.

Vendemos narrativas.

Vendemos perspectivas.

Vendemos pontos de vista.

Aqui, você também pode pagar com escuta.

Com afeto.

Com memória.

A gente vem pra cá, pra lembrar de quem nem sempre pôde falar.

Para olhar para uma peça e pensar: “eu lembro de uma história…”.

Seja essa história triste ou feliz.

Eu não sei explicar a Casa Oxente em cinco minutos.

Só sei que é casa de avó. De tia-avó.

É onde histórias continuam vivas.

Eu só quero que vocês saiam daqui encantados com as histórias dos outros — e com as suas.

Como disse Viviane Mosé: “só seremos amados se formos amáveis”.

Sejamos amáveis, ingênuos e afetuosos.

Que a gente transforme o mundo inteiro

numa casa na montanha,

com um oceano azul a seus pés.

Muito obrigado.

por Wilame Lima
(Lido no encontro “Tira-gosto com Manuel Mendonça: Arte ao Alcance de Todos”, em 15 de Maio de 2025)