Imagem de capa: Ilustração intitulada “Faminto”, de Juliana Fernandes. Integrante do Livro “Ensaio Sobre o Agora”, do poeta Tiago Fernandes.
Na Casa Oxente, acreditamos que a arte é também encontro, palavra e escuta. Os saraus e rodas de conversa que promovemos são espaços de partilha, celebração e pensamento — e, muitas vezes, iniciam-se com um texto que provoca, inspira ou simplesmente convida à presença.
O texto abaixo, intitulado “Impossível agora”, foi lido na abertura do Sarau do dia 8 de Maio, com o poeta Tiago Fernandes, que apresentou seu livro “Ensaio Sobre o Agora”. O poema a seguir foi escrito especialmente para esse momento, como uma tentativa poética de capturar aquilo que, por natureza, escapa: o tempo, o instante, o agora.
Publicá-lo aqui é um gesto de continuidade — para que as palavras ecoem além da noite do sarau e encontrem novas escutas, novos tempos, novos leitores.
Impossível agora
Penso sobre a impossibilidade do agora.
Dessa ilusão de tempo, que se dissolve ao ser tocada, e que encanta poetas, sacerdotes e filósofos.
Considere o infinito: aquilo que nunca se encerra, pois sempre há a possibilidade de um passo além.
Assim também é o agora — impossível de fixar, pois, ao tentar capturá-lo, ele já se tornou outro.
Portanto, onde habita o agora? Num segundo apenas?
E o que pulsa entre os segundos — os micros, os milésimos, os instantes ínfimos?
Quantos tempos cabem no tempo, se a cada instante é possível ir além?
Inalcançável, o agora é também o ontem e o amanhã — simultâneos, embaralhados.
Por isso, desafio quem diz que viver no presente é uma possibilidade.
Por isso, vivo lá e cá. Avanço, recuo, subo, desço.
Caminho cambaleante pela estrada da vida — pois centros são infinitos e inalcançáveis.
Gosto do tempo da física, onde não há distinção entre passado, presente e futuro.
Nesse tempo, o que importa é o corpo, o espaço — e as posições que ele ocupa ao longo da trajetória.
O que importa é sempre a trajetória…
Naturalmente, se o agora é impossível e infinito, escrevemos sobre ele na esperança de contê-lo.
Mas ele nos escapa.
É arisco, traiçoeiro.
Talvez devêssemos fazer do agora um Deus.
Erguer templos. Levantar torres.
Escrever livros — com capítulos, versículos e dogmas.
Acender fogueiras. Aquecer fornos. Sacrificar o instante.
E então, negar-lhe-emos o culto.
Faremos revoluções.
E seremos todos ateus e agnósticos do agora.
por Wilame Lima
(Lido na abertura do Sarau da Casa Oxente em 8 de Maio de 2025)